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Podemos lembrar isto para você por atacado - Philip K. Dick, o viajante do espaço-tempo


Era criança quando meu pai me entregou um volume que ficara esquecido no seu trabalho, um livro de capa azul rasgada na ponta, folhas meio amareladas de papel jornal. Em minhas mãos chegara a excelente coletânea de ficção científica, publicada - sabe Deus quando - pela Editora Globo, de Porto Alegre. 

Em meio a contos de grandes autores, como Isaac Asimov, um texto me causou grande surpresa pelo seu estilo ácido, dilacerante, cruel mesmo. Falava de esperança em meio à desesperança de um futuro totalitário e oprimido pela cultura midiática, de pessoas absurdamente comuns em luta contra um sistema intrusivo. Falava de outros mundos, de mentes sendo tomadas de assalto, de espaço e sincronicidades infernais e de valores pessoais. Não lembro do título que foi dado ao conto em português, mas era ‘We Can Remember It for You Wholesale’ de Philip K. Dick, que originou, muitos anos depois, o filme ‘Total Recall’, que receberia, no Brasil, pasmem, o título ‘Vingador do Futuro’. Nada contra a inteligência tupiniquim nem contra o Governador dublê de ator Schwarzenegger, mas o original não se compara.

O estilo ácido e dilacerante de Philip K. Dick me causou imensa surpresa, e isso tem a ver com a velocidade vertiginosa de sua mente, com sua vida, vivida com intensidade dentro de si mesmo. Li outros contos e livros de Philip K. Dick que hoje lembro com carinho, como o fantástico ‘Do Androids Dream of Electric Sheep?’, base do filme ‘Blade Runner’ de Ridley Scott, mas é ‘We Can Remember It for You Wholesale’ que estabelece o link para o que escrevo aqui. 

Há pouco encontrei o quadrinho ‘The Religious Experience of Philip K Dick’ do igualmente selvagem e genial Robert Crumb, em que os anos finais do escritor de ficção científica são narrados pelo inusitado viés de sua loucura. A partir de fevereiro de 1974, Philip K. Dick passou a experimentar uma série de experiências que consistiram principalmente em visões e sensações que o levariam a alternar sua existência com o século I depois de Cristo, enquanto um cristão perseguido pelos Romanos.
Dividido entre dois tempos e espaços, lutando contra os Romanos, contra o FBI e contra o Imposto de Renda, que decidira não pagar mais como protesto contra o governo estadunidense, o coração anarquista e religioso de Philip K. Dick não resistiu, destruindo a vida de seu cérebro. Seu corpo resistiu cinco dias, até que as máquinas que o mantinham foram desligadas em 2 de março de 1982.

Esse viajante do espaço-tempo deixou 8.000 páginas relatando suas experiências, algumas delas foram publicadas, com o título de ‘In the Pursuit of VALIS: Selections from the Exegesis’, mas, obviamente a maior parte ainda não foi vista pelo seu público.

Segue a página manuscrita 'Descent into metaphysical labyrinths', publicada no New York Times de 16/12/2011, cortesia do espólio de Philip K. Dick, para a reportagem de Charles Platt 'The Voices in Philip K. Dick’s Head'.



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