Foi lançado em inglês, pela editora Bloomsbury Publishing, o livro "The Codex fori Mussolini: A Latin Text of Italian Fascism", dos historiadores Han Lamers e Bettina Reitz-Joosse, respectivamente, da Universidade Humboldt em Berlim e da University of Groningen.
Na reportagem abaixo, da autoria de Becky Branford para a BBC News, destaco o trabalho de pesquisa e investigação daqueles historiadores e, o interessante problema colocado não apenas para aqueles que trabalham com o tema do fascismo como eu, mas também pelas questões historiográficas e de representação ali apresentadas.
A misteriosa mensagem que Mussolini enterrou sob obelisco em Roma e que acaba de ser decifrada
Becky Branford, para a
BBC News em 01/09/2016.
Como em um bom filme de suspense, um pergaminho escrito em latim permanece escondido sob um enorme obelisco em Roma, na Itália.
O único obstáculo diante de quem quer ler o seu conteúdo é o próprio obelisco de 300 toneladas, impossível de ser levantado. Apesar disso, os historiadores Bettina Reitz-Joosse e Han Lamers afirmam ter conseguido decifrar o que o documento diz, por meio de três fontes quase desconhecidas encontradas em bibliotecas e arquivos de Roma.Segundo eles, o pergaminho ajuda a entender o pensamento do líder fascista italiano Benito Mussolini (1883-1945) e como ele esperava ser lembrado pelas gerações futuras.O documento está enterrado junto com moedas de ouro na base do Obelisco de Mussolini, construído em 1932 no complexo esportivo Foro Itálico, então conhecido como Foro Mussolini.
Por essa razão, o pergaminho ficou conhecido como 'Codex Fori Mussolini'.
"O texto não foi pensado para os contemporâneos de Mussolini", diz Bettina, professora-assistente de Literatura Latina na Universidade de Groningen, na Holanda, em entrevista à BBC.
"(A inauguração do) obelisco foi um grande espetáculo, mas a existência do texto não foi registrada. Ele foi pensado para uma audiência de um futuro remoto", acrescenta.
Naquela época, os fascistas tinham descoberto vários tesouros arqueológicos do Império Romano, conta a pesquisadora.
"À medida em que as ruínas eram desenterradas, os fascistas pensavam em deixar registros de seus próprios feitos para as gerações futuras", explica.
O que diz o texto?
O documento de 1,2 mil palavras teria sido escrito pelo estudioso de cultura clássica Giuseppe Amatucci em três partes.
A primeira seria uma coletânea dos feitos do fascismo e da ascensão de Mussolini ao poder.
Essa parte descreve a Itália como um país à beira do caos após a 1ª Guerra Mundial, que teria sido resgatada pelo líder fascista.
Segundo o texto, ele teria recuperado "o país graças a seus conhecimentos e determinação sobre-humana", assinala Lameres, que trabalha na Universidade de Humboldt, na Alemanha, e na Universidade Católica de Lovaine, na Bélgica.
"O texto apresenta Mussolini como uma espécie de novo imperador romano, mas também, por meio de uma linguagem bíblica, como redentor do povo italiano", diz ele.
A segunda parte trata da Juventude Fascista, sobre cuja sede foi construído o obelisco, e de seus programas destinados aos jovens.
A terceira parte se concentra na construção do Foro Itálico e do obelisco.
Junto com o texto se encontra uma medalha que retrata Mussolini com a cabeça coberta por uma pele de leão.
Não era raro no Renascimento ─ explicam os especialistas ─ que medalhas fossem enterradas sob obeliscos. Mas, segundo eles, a descoberta de um longo e detalhado texto é inédita.
Por que em latim?
Bettina Reitz-Joosse, da Universidade de Groningen, acredita que a opção pela língua morta também tinha o objetivo de reforçar o vínculo entre o Império Romano e o auge do fascismo.
Além disso, ela assegura que os fascistas estavam tentando ressuscitar o latim como língua internacional do fascismo.
"Fazia parte dos objetivos dos fascistas criar um equivalente à Internacional Comunista", diz Reitz-Joosse, em alusão ao nome dado aos vários movimentos comunistas de cunho internacional.
"Esses planos, contudo, fracassaram", explica.
Paradoxalmente, os estudiosos cogitam que ao enterrá-lo debaixo do obelisco, os fascistas talvez esperassem que a descoberta do documento só fosse ser possível com a queda da estrutura e, consequentemente, do regime.
Mas, "de nenhuma maneira", eles imaginariam a derrocada que sofreriam poucos anos mais tarde, ressalva Reitz-Joosse.
No entanto, a pesquisadora diz que o documento cumpre com seu propósito original de projetar a voz do fascismo no futuro.
"O texto ainda está ali e pode ser lido. Tudo o que fizemos foi estudá-lo e analisar as suas estratégias, contextualizá-lo e criticá-lo, mas também permitir que a sua mensagem seja comunicada sem ruídos", conclui a estudiosa.
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