Vera Gonçalves de Araújo - 'O Globo, 11/10/2009'
Segundo a polícia e a magistratura, os ativistas dos grupos neofascistas na Itália são quase 60 mil. Muitos deles são ligados às organizações da torcida violenta de futebol, alguns são engajados nos grupos de patrulheiros das cidades recentemente legalizados, mas todos mancomunados no ódio racista a imigrantes, ciganos e homossexuais.
No país que inventou o fascismo e que sempre manteve — apesar da derrota na Segunda Guerra Mundial — um consistente núcleo saudosista e colecionador de brindes de Benito Mussolini, a volta dos seguidores do Duce assusta tanto quanto o retorno dos nazistas na Alemanha. Mesmo porque, no caso da Itália, alguns dos líderes da extrema-direita conquistaram cadeiras no Parlamento.
Começando por Alessandra Mussolini, que o premier Silvio Berlusconi fez questão de apresentar durante a sua campanha eleitoral, em 2008, como um dos trunfos da coalizão Casa das Liberdades. Agora, Alessandra, neta de Mussolini e sobrinha de Sophia Loren, é eurodeputada. Ela reuniu vários grupos neofascistas sob a liderança do seu partido, a Ação Social, dando dignidade política a personagens que eram conhecidos principalmente em tribunais e delegacias.
Os sinais são claros. A cada ano, 600 mil pessoas visitam o túmulo de Mussolini. O país não assiste passivo ao fenômeno: cada reunião da extrema-direita provoca reações.
Como aconteceu em abril, em Milão, durante um seminário organizado pelo grupo Força Nova, que reuniu organizações neofascistas de toda a Europa, como o inglês Partido Nacional Britânico (BNP), o francês Frente Nacional e os gregos da Linha de Frente.
A presença mais acintosa dos fãs de Mussolini se registra nas arquibancadas dos estádios. Com a exceção da torcida do Livorno, tradicionalmente de esquerda, todas as outras torcidas organizadas têm como denominador comum os símbolos, os gestos, os slogans fascistas. Em outubro de 2008, o mundo inteiro assistiu, na TV, ao triste espetáculo da torcida fascista no jogo da seleção italiana contra a Bulgária, para as Eliminatórias da Copa do Mundo: suásticas, braços estendidos na saudação romana, berros de “viva Mussolini” invadiram o estádio de Sófia.
Outro setor em que os neofascistas estão cada vez mais visíveis e ativos são as chamadas patrulhas metropolitanas, legalizadas a partir da semana passada pelo governo Berlusconi.
Em várias cidades italianas, os patrulheiros se apresentam fardados, às vezes com camisas negras, broches com o perfil de Mussolini e lemas inspirados nos 21 anos da ditadura fascista italiana (1922-1943).
Segundo o deputado Jean-Leonard Touadi, de origem congolesa, eleito pelo partido de centro-esquerda Itália dos Valores, essas patrulhas representam uma abdicação do governo.
— Não é possível privatizar a segurança — explica Touadi. — Este é um caminho perigoso, que pode destruir a democracia.
Em tese, os patrulheiros não podem circular armados: sua única arma deveria ser o celular, para chamar a polícia.
Mas em algumas cidades do norte, os rapazes usam cassetetes e pistolas elétricas “para assustar”, dizem.
Os alvos dos grupos neofascistas são muitos. Desde os tradicionais “vermelhos” — chamados com desprezo zecche (carrapatos) — a imigrantes árabes, africanos e latino-americanos, ciganos, homossexuais, judeus.
Os episódios de homofobia multiplicaramse em Roma e em outras cidades.
Mais de 60 ataques contra gays e lésbicas foram registrados desde o começo do ano. Entre 2005 e 2008, foram 262 ataques deste tipo.
Na maioria dos casos, os agressores não foram descobertos, mas todos sabem que fazem parte de grupos neofascistas.
Como o romano Alessandro Sardelli, conhecido como Svastichella (suastiquinha), que esfaqueou em agosto um casal gay no bairro do Eur.
Svastichella foi preso. Declarou que não suporta ver homens que se beijam, e por isso agrediu os rapazes.
A perseguição, oficializada em parte pelo governo Berlusconi, contra ciganos provocou um êxodo. Dos 165 mil ciganos que viviam no país ano passado, hoje só restam 35 mil.
No caso dos ataques aos imigrantes, os fascistas podem contar com o apoio político da Liga Norte, o partido xenófobo e separatista aliado de Berlusconi.
A batalha contra quem é diferente é comum: os inimigos são os estrangeiros. Tanto que, no mês passado, o grupo de extrema-direita Coração Negro convidou um eurodeputado da Liga para falar sobre ensino. O deputado Mario Borghezio ganhou grande popularidade na sua campanha contra “os negros sujos”, anos atrás. Com água sanitária, desinfetava os trens usados por operários e prostitutas estrangeiros em Milão.
As leis italianas consideram crime a apologia ao fascismo. Mas hoje os fascistas podem contar com deputados, financiamento e apoio político como nunca nos últimos 60 anos. Alguns deles migraram para a direita moderada, como o prefeito de Roma, Gianni Alemanno, ativista neofascista na juventude.
Ou o ministro da Defesa, Ignazio La Russa, que elogia “o heroísmo das milícias da República de Saló”, o governo fascista instaurado em 1943 na parte da Itália controlada pelos nazistas.
O único líder do antigo partido neofascista Movimento Social Italiano que faz questão de frisar que não tem nada mais a ver com as organizações da extremadireita é o presidente da Câmara, Gianfranco Fini. Ele é considerado pelos ativistas um traidor.
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