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O Arqueiro Zen e o Sábio-Poeta




Ao contrário de esperarmos um Arqueiro como Sujeito-autônomo, disparando Flechas que são Signos domados, que atingem, infalivelmente, um Alvo-Objeto, deveríamos nos contentar com uma relação mais escorregadia, encetada no deslizamento de significantes que  continuamente escorregariam para outros significados, produzindo efeitos em cadeias já pré-constituídas, em diferentes espaçamentos 

Inspirado por uma passagem do Sūtra Śūragama em que o Buda discute a não-realidade das causas ilusórias (HUA, 2003: 59-61), John Caputo trabalha sua compreensão do conceito derridiano de Hiper-realismo, explicando-o como um realismo que está para além do real ou como um realismo sem o real, na medida em que a ideia do real é ela mesma fugidia e se encontra com o mesmo Sujeito-arqueiro (Caputo, 2000: §25).

Para Caputo, assim que abrimos a boca, respondemos aos endereçamentos do outro, num contexto em meio a múltiplos contextos, por meio de uma resposta da qual não somos o autor e, para endereçamentos que não temos esperança de saturar ou tornar transparente, pois não há uma realidade, na medida em que a realidade como tal não existe, mas, somente deslizamentos. 

Analisando a metáfora da "Flecha e do Alvo" de Jaime Cortesão poderíamos perceber que ele reconhecia e fazia reconhecer a importância do seu constructo, mas que entendia que este devia lhe escapar, deslizando para outras mãos, elas mesmas já moldadas a partir de uma figura idealizada, o Barão do Rio Branco. 
Eu prepararei a flecha e depois passá-la-ei a outras mãos válidas e moças, para que elas desfechem o tiro, para que possam acertar no alvo, que eu depois não posso atingir (Jaime Cortesão, Curso de História da Cartografia, 1944). 

Sabidamente, o Sábio-poeta deixou de nomear o seu poderoso Arco, a História da Cartografia, aprontado no Instituto Rio Branco e, se não esperamos mais retesar a corda de Cortesão, podemos observar o seu Alvo, olhando para além da Flecha, procurando compreender a Noite que o rodeia.

Reconhecemos, portanto, um movimento, uma fabricação, uma temporalidade que não se esgota numa única apresentação, mas que se coloca como a repetição reprodutiva de uma presença anterior a presença de Cortesão, a qual se desloca noutras leituras e noutras escritas.

Finalizo retrabalhando o texto a partir do qual John Caputo elaborou a metáfora do
"Arqueiro Zen", a passagem do Sūtra Śūragama, atribuída ao Buda: 


Isto é como o homem apontando o dedo para a lua de modo a mostrar aos outros que devem seguir a direção do dedo para observar a lua.

Se eles observarem o dedo e o confundirem pela lua, perderão a vista tanto da lua quanto do dedo. Por quê?

Porque a lua brilhante está apontada sob o dedo; eles tanto perdem a visão do dedo quanto falham em distinguir entre (os estados de) claridade e escuridão. Por quê?

Porque eles confundem o dedo pela lua brilhante e não têm a compreensão da claridade e da escuridão [Minha tradução] (HUA, 2003: 60).
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Extrato [modificado] de PEIXOTO, Renato Amado. A Flecha e o Alvo - As origens, as transformações e a função do curso de História da Cartografia lecionado por Jaime Cortesão no Ministério das Relações Exteriores. Antíteses (Londrina), v. 7, p. 184-209, 2014. 

BIBLIOGRAFIA:



CAPUTO, John D. For Love of the Things Themselves: Derrida's Hyper-Realism. Journal for Cultural and Religious Theory. Vol. 1, nº 3, 2000.


HUA, Hsüan. The Surangama Sutra. Vol. II. Burlingame: Buddhist Text Translation Society, 2003.


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