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Câmara encontra frases escritas por operários que construíram o prédio em 1959

Bela notícia! Emocionante mesmo... O melhor de tudo é ver, mesmo que seja de vez em quando, a mídia se render à divulgação de materiais que vinculam a construção da identidade nacional com os trabalhadores.

Câmara encontra frases escritas por operários que construíram o prédio em 1959

Isabel Braga para O Globo em 11/08/2011


BRASÍLIA - A busca pela solução de um vazamento de água na Câmara trouxe uma boa notícia para a história de Brasília: a descoberta de frases, escritas em 1959 em placas de concreto de vigas que sustentam a cúpula da Casa, e que refletem o sentimento de operários que trabalhavam na construção da nova capital. O vazamento no teto do Salão Verde há anos incomodava os técnicos da Casa e funcionários terceirizados, ao tentar descobrir de onde vinha o problema, descobriram as inscrições em vigas de concreto que sustentam o prédio principal e a famosa cúpula da Câmara que se assemelha a um prato.

Foram encontradas quatro frases duas que refletem um sentimento mais político, de cobrança e expectativa em relação ao que fariam os futuros ocupantes do prédio do Congresso e outras duas que representam a solidão dos operários que vieram construir Brasília e deixaram em seus estados natais suas famílias. "Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham a compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra. Duraleques ce de leques (sic)", diz uma das frases, que tem a assinatura de José Silva Guerra e a data: 22/4/59. "Si (sic) todos os Brazileiros (sic) focem ( sic) diginos (sic) de honra e honestidade, teríamos um Brazil (sic) bem melhor. Só temos uma esperança nos Brazileiros (sic) de amanhã. Brazília (sic)de hoje, Brazil (sic) amanhã ". 1959, escreve um outro operário, cuja assinatura é ilegível.

As outras duas frases são : "Saudades palavra que nunca morre. Quando morre fica arquivada no coração. Brasília 18/9/59. O nome é ilegível e "Amor palavra sublime que domina qualquer ser humano. Goiânia 22/4/59, assinada por Nelson Nilson.

Um dos funcionários que descobriu as frases, Francisco Nilson Alves da Silva, de 36 anos, diz que o que mais chamou sua atenção e de outros três colegas que trabalhavam naquele momento foi a data das frases:

- Notamos as datas, 1959. Eu também vi que um era meu xará. A gente comunicou ao chefe. O que mais me tocou foi o sentimento de saudade deles. Estou há sete anos em Brasília, constitui família, mas meus pais estão no Ceará e sinto muita saudade

O diretor do Departamento Técnico da Câmara, Reinaldo Carvalho Brandão também se emocionou com a descoberta. Ele explicou que as frases foram escritas em placas de concreto das vigas de sustentação que, depois de feitas, são vedadas e não são abertas:

- Foi uma feliz coincidência. Não é usual quebrar esse espaço, conhecido como caixão perdido.

Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960 e construída em tempo recorde, por determinação do então presidente Juscelino Kubitschek. Um dos pioneiros que trabalhou na construção do prédio do Congresso, Claudionor Pedro dos Santos, hoje com 72 anos, foi localizado pela Câmara e participou ontem da apresentação da descoberta à imprensa. Claudionor conta que chegou em Brasília no dia 23 de dezembro de 1957 e sua função inicial era apontador de campo, ou seja, verificar se os operários estavam mesmo trabalhando.

- Nós trabalhávamos dia e noite e não reclamávamos. Havia solidariedade. Claro que acreditávamos no futuro melhor e tínhamos certeza que Brasília ia ter sucesso. JK aparecia aqui sempre, três, quatro horas da manhã. Tudo foi feito com muita dedicação e queríamos que isso fosse reconhecido. Hoje temos muitos políticos sérios que usam o dinheiro público para o bem. E outros que mancham essa imagem. Faço um apelo para que os que têm essa tendência, parem - disse Claudionor, que até hoje mora em Brasília.

A assessoria da Câmara divulgou a ficha de trabalho de um dos operários que escreveu das frases, José S. Guerra. Na época, o salário dele era de cerca de 4 mil cruzeiros e a folha mostra como era exaustiva a jornada de trabalho do que trabalhavam na construção dos prédios da nova capital: 200 horas por mês, além de 98 horas extras.

Os "achados históricos" foram apresentados à imprensa na tarde desta quinta-feira, pelo presidente da Câmara, Marco Maia. O presidente comemorou a descoberta, enfatizando que representam um pouco da história da construção do parlamento.

- É um marco histórico. Vamos estudar para tomar uma decisão sobre o que fazer, se de repente podemos até permitir a visitação.

O presidente disse a frase em que o operário faz referência à frase em latim: "Dura Lex, Sed Lex ", que significa que apesar de dura, a lei deve ser cumprida, chamou sua atenção. Indagado se, para ele, os políticos tinha conseguido atender à expectativa dos operários que deixaram as mensagens em 1959, Maia respondeu:

- Vivemos, logo depois da construção de Brasília, o período do golpe militar, depois o processo de redemocratização. O país hoje é diferente do país de 1959. Todos os que aqui passaram, independentemente da forma como votaram, contribuíram para que o Brasil seja um país melhor e o Brasil pode ser melhor para a nossa gente. As frases encontradas valem para os políticos que passaram, para os que estão aqui e os que virão.



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