Misto de livro e jogo fez parte da formação de autores como Junot Díaz, George R.R. Martin e Matt Groening
New York Times 14/07/2014, traduzido por O Globo em 14/07/2014
NOVA YORK — Quando era um jovem imigrante crescendo em Nova Jersey, o escritor Junot Díaz se sentia marginalizado. Mas esse sentimento se dissipou de alguma forma em 1981, quando ele estava na sexta série. Junto com algums amigos, que também tinham raízes em reinos distantes — Egito, Irlanda, Cuba e República Dominicana — foi “completamente sugado”, diz, por “um conceito radical: um jogo de interpretação”, na forma do “Dungeons & Dragons”.
Jogando “D&D” e seus contos com missões heroicas, “as crianças podiam viajar”, disse Diaz, de 45 anos, numa entrevista por e-mail, além de “viver aventuras, triunfar, serem poderosas, falhar e passar por experiências impossíveis no mundo real”. “Para nerds como nós, o ‘D&D’ foi um horizonte mais amplo”, acrescenta. O jogo funcionava como “uma espécie de tutorial de narrativas”.
Agora o muito popular e muito ridicularizado “Dungeons & Dragons”, o primeiro RPG comercial, completa 40 anos. No “D&D”, os jogadores se sentam em volta de uma mesa, não uma tela de vídeo. Juntos, usam mapas desenhados a mão e bonecos em miniatura para contar histórias de bravos e espertos protagonistas como feiticeiros élficos e guerreiros anões que exploram cavernas e enfrentam orcs, trolls e devoradores de mentes. Dados dos mais variados formatos e enormes livros de regras ajudam a determinar o resultado história, que vai se formando de acordo com as decisões dos jogadores.
Para alguns escritores, especialmente aqueles que cresceram nos anos 1970 e 1980, todo aquele tempo perdido em volta da mesa valeu a pena. O “D&D” ajudou a dar o primeiro impulso em suas vidas criativas. “Foi uma forma de narrativa que formou vários tipos de escritores”, argumenta Díaz.
A liga de ex-jogadores inclui o autor de “ficção estranha” China Miéville (“The city & the city”); Brent Hartinger (autor de “Geography Club”, um romance sobre adolescentes gays e bissexuais); o escritor de ficção científica e literatura jovem Cory Doctorow; o poeta Sherman Alexie; o comediante Stephen Colbert; e George R.R. Martin, autor de “Game of thrones” (que ainda gosta de RPG). Outros que também foram influenciados, na televisão e no cinema, são Robin Williams, Matt Groening (“Os Simpsons”), Dan Harmon (“Community”) e Chris Weitz (“American pie”).
Com o lançamento de uma nova versão de “Dungeons & Dragons” nesta terça-feira, e livros de regras mais avançados programados para os próximos meses, outra geração de futuros escritores pode encontrar inspiração nos mapas de calabouços e castelos cheios de segredos.
Díaz, professor no Massachusetts Institute of Technology, o MIT, diz que seu primeiro romance, o vencedor do Pulitzer “A fantástica vida breve de Oscar Wao”, foi escrito “em homenagem ao tempo em que eu jogava”. Oscar, o protagonista, é um “fanático por RPG”. Querendo se tornar o J.R.R. Tolkien da República Dominicana, ele escreve “dez, 15, 20 páginas por dia” de ficção inspirada em fantasia.
Mesmo nunca tendo se tornado um escritor de fantasia, Días atribui seu sucesso, em parte, aos “primeiros anos profundamente envolvido em narrativas fantásticas”. Com o “D&D”, garante, “aprendeu muito sobre a essência da narrativa, sobre como dar espaço para o leitor participar”. Nos jogos, Días normalmente era o Mestre, o semi-narrador que define as regras e o destino dos jogadores.
O papel do mestre num jogo de RPG é criar um mundo crível com uma história de fundo, aventuras para os jogadores e opções para viradas na narrativa. A função exige habilidades variadas como as de um diretor teatral, pesquisador e psicólogo — todas importantes para um escritor.
O que torna as história do “D&D” diferentes de romances e outras narrativas é sua natureza de improviso e interação. O roteiro é decidido em grupo. Como um jogador, “você precisa convencer os outros de que sua versão da história é interessante e válida”, diz Jennifer Grouling, professor de inglês na Ball State University. Ela estudou jogadores de “D&D” para seu livro “The creation of narrative in tabletop role-playing games”.
Se um mestre de jogo cria um “mundo tedioso com um enredo pouco interessante”, diz, os jogadores podem ir numa direção completamente diferente. Da mesma forma, como juiz o mestre pode vetar as decisões dos jogadores. “Acredito que o ‘D&D’ pode ajudar a desenvolver a capacidade de trabalhar e escrever em grupo”, acrescenta.
Jennifer também cita um “senso de controle sobre as histórias” como uma das razões pelas quais as pessoas gostam de RPGs. “O ‘D&D’ está completamente na imaginação e as regras são flexíveis. Não existem as mesmas limitações da ficção, ou mesmo de videogames”, diz.
Um romance é algo terminado, escrito, editado e publicado. No ‘D&D’, o roteiro é sempre fluido; qualquer coisa pode acontecer.
O dramaturgo e roteirista David Lindsay-Abaire, de 44 anos, autor da peça “Rabbit Hole”, vencedora do Pulitzer, diz que o “D&D” “remonta a um modo primitivo de contar história”, que é ao mesmo tempo “imersivo e interativo”. Para ele, o mestre de jogo lembra um “narrador tribal que reúne todos em torno do fogo para contar histórias sobre heróis, deuses e monstros”.
“É um evento comunal, vivo, onde tudo pode acontecer a qualquer momento.”
Lindsay-Abaire diz que organizar aventuras de RPG esteve entre “as primeiras experiências com escrita” que teve. E que o jogo ensinou não apenas sobre enredos, mas também sobre desenvolvimento de personagens.
Para Díaz, “quando as garotas entraram na equação de uma forma séria, o jogo ficou de lado”. Mas ele diz que ainda sente falta das aventuras de “D&D” e sente que o RPG deixou um legado.
“Não sei se teria conseguido passar de leitor a escritor com facilidade se não fosse o jogo”.
Jogando “D&D” e seus contos com missões heroicas, “as crianças podiam viajar”, disse Diaz, de 45 anos, numa entrevista por e-mail, além de “viver aventuras, triunfar, serem poderosas, falhar e passar por experiências impossíveis no mundo real”. “Para nerds como nós, o ‘D&D’ foi um horizonte mais amplo”, acrescenta. O jogo funcionava como “uma espécie de tutorial de narrativas”.
Agora o muito popular e muito ridicularizado “Dungeons & Dragons”, o primeiro RPG comercial, completa 40 anos. No “D&D”, os jogadores se sentam em volta de uma mesa, não uma tela de vídeo. Juntos, usam mapas desenhados a mão e bonecos em miniatura para contar histórias de bravos e espertos protagonistas como feiticeiros élficos e guerreiros anões que exploram cavernas e enfrentam orcs, trolls e devoradores de mentes. Dados dos mais variados formatos e enormes livros de regras ajudam a determinar o resultado história, que vai se formando de acordo com as decisões dos jogadores.
Para alguns escritores, especialmente aqueles que cresceram nos anos 1970 e 1980, todo aquele tempo perdido em volta da mesa valeu a pena. O “D&D” ajudou a dar o primeiro impulso em suas vidas criativas. “Foi uma forma de narrativa que formou vários tipos de escritores”, argumenta Díaz.
A liga de ex-jogadores inclui o autor de “ficção estranha” China Miéville (“The city & the city”); Brent Hartinger (autor de “Geography Club”, um romance sobre adolescentes gays e bissexuais); o escritor de ficção científica e literatura jovem Cory Doctorow; o poeta Sherman Alexie; o comediante Stephen Colbert; e George R.R. Martin, autor de “Game of thrones” (que ainda gosta de RPG). Outros que também foram influenciados, na televisão e no cinema, são Robin Williams, Matt Groening (“Os Simpsons”), Dan Harmon (“Community”) e Chris Weitz (“American pie”).
Com o lançamento de uma nova versão de “Dungeons & Dragons” nesta terça-feira, e livros de regras mais avançados programados para os próximos meses, outra geração de futuros escritores pode encontrar inspiração nos mapas de calabouços e castelos cheios de segredos.
Díaz, professor no Massachusetts Institute of Technology, o MIT, diz que seu primeiro romance, o vencedor do Pulitzer “A fantástica vida breve de Oscar Wao”, foi escrito “em homenagem ao tempo em que eu jogava”. Oscar, o protagonista, é um “fanático por RPG”. Querendo se tornar o J.R.R. Tolkien da República Dominicana, ele escreve “dez, 15, 20 páginas por dia” de ficção inspirada em fantasia.
Mesmo nunca tendo se tornado um escritor de fantasia, Días atribui seu sucesso, em parte, aos “primeiros anos profundamente envolvido em narrativas fantásticas”. Com o “D&D”, garante, “aprendeu muito sobre a essência da narrativa, sobre como dar espaço para o leitor participar”. Nos jogos, Días normalmente era o Mestre, o semi-narrador que define as regras e o destino dos jogadores.
O papel do mestre num jogo de RPG é criar um mundo crível com uma história de fundo, aventuras para os jogadores e opções para viradas na narrativa. A função exige habilidades variadas como as de um diretor teatral, pesquisador e psicólogo — todas importantes para um escritor.
O que torna as história do “D&D” diferentes de romances e outras narrativas é sua natureza de improviso e interação. O roteiro é decidido em grupo. Como um jogador, “você precisa convencer os outros de que sua versão da história é interessante e válida”, diz Jennifer Grouling, professor de inglês na Ball State University. Ela estudou jogadores de “D&D” para seu livro “The creation of narrative in tabletop role-playing games”.
Se um mestre de jogo cria um “mundo tedioso com um enredo pouco interessante”, diz, os jogadores podem ir numa direção completamente diferente. Da mesma forma, como juiz o mestre pode vetar as decisões dos jogadores. “Acredito que o ‘D&D’ pode ajudar a desenvolver a capacidade de trabalhar e escrever em grupo”, acrescenta.
Jennifer também cita um “senso de controle sobre as histórias” como uma das razões pelas quais as pessoas gostam de RPGs. “O ‘D&D’ está completamente na imaginação e as regras são flexíveis. Não existem as mesmas limitações da ficção, ou mesmo de videogames”, diz.
Um romance é algo terminado, escrito, editado e publicado. No ‘D&D’, o roteiro é sempre fluido; qualquer coisa pode acontecer.
O dramaturgo e roteirista David Lindsay-Abaire, de 44 anos, autor da peça “Rabbit Hole”, vencedora do Pulitzer, diz que o “D&D” “remonta a um modo primitivo de contar história”, que é ao mesmo tempo “imersivo e interativo”. Para ele, o mestre de jogo lembra um “narrador tribal que reúne todos em torno do fogo para contar histórias sobre heróis, deuses e monstros”.
“É um evento comunal, vivo, onde tudo pode acontecer a qualquer momento.”
Lindsay-Abaire diz que organizar aventuras de RPG esteve entre “as primeiras experiências com escrita” que teve. E que o jogo ensinou não apenas sobre enredos, mas também sobre desenvolvimento de personagens.
Para Díaz, “quando as garotas entraram na equação de uma forma séria, o jogo ficou de lado”. Mas ele diz que ainda sente falta das aventuras de “D&D” e sente que o RPG deixou um legado.
“Não sei se teria conseguido passar de leitor a escritor com facilidade se não fosse o jogo”.
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