A CARTA ROUBADA DE MARITAIN - o embate entre conservadorismo, reacionarismo e fascismo no campo do catolicismo no Brasil em 1937
Recife - UFPE - 16/07/2019 - 14:00
Em 3 de outubro de 1937 o jornal A Ordem, o porta-voz da Diocese de Natal publicava em primeira página a “cópia original” da carta enviada por Jacques Maritain de Paris a Otto Guerra, o editor de A Ordem. Nomeada “a palavra cristianíssima de Jacques Maritain”, nela se procurava esmiuçar e contra-atacar as acusações lançadas pelo padre Ciríaco Fernandes, o principal antagonista do francês no Brasil.
Na carta se denunciavam os exageros acerca da Guerra Civil Espanhola e, se combatia o sentido de Guerra Religiosa atribuído ao conflito, advogando que não se deveria utilizar contra os comunistas os mesmos métodos empregados por eles. Finalmente, apontava que os extremismos de esquerda e de direita sufocavam o senso cristão, mas que não estando a política separada da religião, a primeira deveria ser vivificada pela segunda.
O confronto entre os dois líderes católicos se deu no desdobramento da visita de Maritain à América do Sul, mas se essa questão pode ser acompanhada diretamente nos periódicos e livros da época, outras posições precisam ser aclaradas, sobretudo às que dizem respeito à intelecção eficaz de uma topologia da direita e às intricadas relações entre os catolicismos locais e o nacional.
A publicação da carta pode ser perscrutada nesse sentido: note-se que a missiva fora endereçada ao frei Sebastião Tauzin para que este a dirigisse à publicação e, assim, foi divulgada pela revista Vida, pelo diário O Jornal e outros periódicos. Contudo, ainda que se soubesse do objetivo e do alcance da carta, ela foi estampada pelo diário norte-rio-grandense como fosse de diferente natureza: não era o ineditismo que importava, mas o remetente, a oportunidade de publicação e o seu destinatário.
Penso que a carta roubada de Maritain, se é que ela pode ser chamada assim, foi colocada propositalmente no confronto entre dois ‘circuitos de expressão’, o ‘reacionário’, baseado no Centro Dom Vital de Recife e articulado pelo padre Ciríaco Fernandes; e o conservador, nucleado no Rio de Janeiro e liderado por Amoroso Lima, evidenciando a fratura do campo do catolicismo no Brasil.
A carta roubada colocava a Arquidiocese de Natal no epicentro da trama católica, na medida em que se trocava a orientação imprimida por Dom Marcolino Dantas, que abrigara o movimento integralista desde a sua criação, isto num momento em que a extrema direita da AIB, sob a liderança de Gustavo Barroso e Luiz da Câmara Cascudo arquitetava a ‘Reação Nacionalista’, procurando juntar catolicismo e fascismo, e fundar o ‘Estado Totalitário Cristão’.
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