Este artigo foi publicado na Folha de São Paulo neste sábado (15/05/2010) e é muito interessante porque nos permite notar a recepção da política externa brasileira nos Estados Unidos. A Folha, entretanto, não reparou que o mesmo artigo foi também reproduzido no New York Times de hoje.
Postura brasileira ignora "repressão bruta" no Irã, diz jornal americano
ALESSANDRA CORRÊA
da BBC Brasil em Washington
Um editorial publicado na edição deste sábado do jornal americano "The Washington Post" critica a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Irã e diz que a postura brasileira ignora a "repressão brutal" no regime iraniano.
O texto cita a morte por enforcamento de cinco dissidentes curdos, no último domingo, e a condenação de um jornalista iraniano-canadense a 74 chibatadas e 13 anos de prisão para afirmar que provavelmente está no início "uma brutal onda de repressão" com o objetivo de impedir protestos pelo aniversário das eleições de junho passado --em que o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reconduzido ao poder sob acusações de fraude no pleito e em meio aos maiores protestos no país desde a Revolução Islâmica, em 1979.
"Irá Lula ao menos se preocupar em mencionar o sangue derramado por seus anfitriões nesta semana? Podem esperar sentados", diz o jornal.
O presidente Lula chega a Teerã neste sábado, após passagens pela Rússia e pelo Catar, na tentativa de negociar uma solução pacífica para a questão nuclear iraniana que evite a imposição de novas sanções do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) contra o Irã, como querem os Estados Unidos.
O Brasil é contra as sanções e vem tentando costurar um acordo que convença o Irã a interromper seu programa de enriquecimento de urânio, para o qual já obteve o apoio da Turquia. Tanto Brasil quanto Turquia têm vagas rotativas no Conselho de Segurança, sem direito a veto.
"Ninguém fora de seus próprios governos acredita que serão bem-sucedidos", diz o editorial.
O "Washington Post" diz que "Lula e (Abdullah) Gul (presidente da Turquia) estão errados em visitar Teerã neste fim de semana".
"Um regime que está ativamente engajado em assassinar seus cidadãos não vai se engajar em 'negociações de boa fé'. Se houver mudanças no Irã, devem vir daqueles cuja repressão os dois presidentes estão ignorando", afirma o texto.
Desafio aos EUA
O editorial afirma ainda que um dos motivos para a postura do Brasil em relação ao Irã seria o de se afirmar como potência e desafiar os Estados Unidos.
"A insistência dos líderes brasileiro e turco em negociar com esses bandidos é parcialmente devido a suas ambições de demonstrar que são líderes de potências globais emergentes capazes de desafiar os Estados Unidos", afirma o texto.
O governo americano já manifestou em diversas ocasiões ceticismo quanto às possibilidades de sucesso da viagem de Lula, em um momento em que os Estados Unidos têm pressa na aprovação de uma quarta rodada de sanções para pressionar o Irã a interromper seu programa de enriquecimento de urânio.
Em uma linha semelhante, em reportagem publicada neste sábado, o jornal "The New York Times" cita a opinião de analistas ao afirmar que Lula vê nas negociações com o Irã uma maneira de se posicionar contra a dominância americana e avançar o papel do Brasil como protagonista importante no cenário mundial.
"Nesse novo papel --que reside em grande parte na posição do Brasil como a maior economia da América do Sul-- o imensamente popular Lula desafiou os Estados Unidos em tudo, de comércio e mudanças climáticas ao golpe em Honduras no ano passado e o longo embargo de Washington a Cuba", diz o texto.
Preocupação
Com o título de "Diplomacia do Brasil com o Irã preocupa autoridades americanas", a reportagem do New York Times afirma que "membros do governo em Washington expressaram preocupação de que o tiro possa sair pela culatra, ajudando a República islâmica a obstruir --ou pelo menos atrasar-- os Estados Unidos e seus aliados na imposição de sanções".
Os Estados Unidos e outros países temem que o Irã busque secretamente desenvolver armas nucleares e afirmam que a única maneira de pressionar o regime iraniano a suspender seu programa de enriquecimento de urânio é por meio de sanções.
O Irã nega essas alegações e diz que seu programa é pacífico e tem o objetivo de gerar energia. As três rodadas de sanções já aprovadas anteriormente não foram suficientes para convencer o país a interromper seu programa nuclear.
O texto assinado pelo correspondente do "New York Times" no Brasil, Alexei Barrionuevo, e por Ginger Thompson, de Washington, diz que, apesar de publicamente desejar sucesso ao Brasil, os Estados Unidos não estão nem um pouco otimistas quanto ao resultado e, caso a negociação falhe, devem levar adiante as sanções na ONU e "vão esperar que o Brasil esteja lá com eles".
Segundo o jornal, o apoio do Brasil às sanções "é crucial para o tipo de voto unânime que as potências ocidentais desejam".
O texto do "New York Times" diz ainda que a disputa em relação ao Irã "gerou uma quantidade de atrito fora do comum" entre Brasil e Estados Unidos e que "autoridades brasileiras estão preocupadas com a possibilidade de que um fracasso neste fim de semana possa projetar Lula como um amador e atrapalhar a busca por uma vaga permanente no Conselho de Segurança".
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