O Globo, 14/06/2011 - retirado de George Gene Gustines, do New York Times
RIO - Audacioso. Essa é a melhor maneira de descrever o recente anúncio da DC Comics, dizendo que a editora vai recomeçar a enumerar toda a sua linha de quadrinhos: a partir de setembro, 52 séries começarão de novo, cada uma com uma edição número 1.
Embora as editoras de quadrinhos costumem recorrer a esse tipo de expediente regularmente, muitos colecionadores gostam de comprar cópias da edição número 1, acreditando que, como aconteceu com a lendária "Action Comics" n 1, que apresentou o Super-Homem, seu valor seja cada vez maior. Iniciar uma série do começo também é uma chance de angariar novos leitores, que podem não ter ânimo para começar a ler uma história em quadrinhos que já teve, por exemplo, 543 edições. Antigamente, muitos desses recomeços eram construídos a partir do que tinha sido feito antes. Agora, no entanto, a DC sinaliza que, de certa forma, não é necessário um conhecimento de quadrinhos para se entender as histórias: será como experimentar o Super-Homem pela primeira vez.
Por um lado, essa decisão parece um truque ou um último suspiro da indústria dos quadrinhos, que vem enfrentando atritos com os leitores devido ao desgaste dos personagens, a histórias desconectadas umas das outras, a preços altos e à imersão do público em videogames. Em 2006, "Civil war", uma história de grande sucesso que envolvia todos os heróis da Marvel Comics, vendeu mais de 350 mil cópias de sua edição de estreia. Neste ano, as vendas da estreia de sua última sequência, "Fear itself", ficaram em cerca de 130 mil. (Pode-se esperar mais ações como essa da Marvel. Na semana passada, a companhia anunciou que, em outubro, a série "Uncanny X-Men" publicará sua última edição, número 544, e, embora ainda não tenha anunciado um recomeço, não é difícil imaginar algo do gênero vindo por aí.)
A decisão da DC também inclui tornar as histórias disponíveis para download no mesmo dia em que chegam às bancas. Isso, claro, não é uma boa notícia para as editoras ou para a indústria em geral.
- O maior risco aqui é que se a edição digital morder uma grande fatia do faturamento das lojas e bancas que vendem quadrinhos, muitos revendedores sofrerão - diz o historiador de quadrinhos Mark Evanier, por e-mail. - A DC precisa das lojas para vender coleções de capa dura, bonecos e outros produtos.
Enquanto esta renumeração tem como objetivo oferecer aos fãs um ponto de onde começar sua jornada, para outros ela pode significar a hora de descer do ônibus.
- Uma parte dos leitores fica frustrada com a não permanência de seus quadrinhos favoritos. Eles sabem que uma mudança dramática, como o casamento ou a morte do herói, será desfeita logo - diz Evanier.
Uma das séries afetadas pelo anúncio da DC é a Liga da Justiça, escrita por Geoff Johns, chefe de criação da companhia, e ilustrada por Jim Lee, coeditor, que tem a mão firme na hora de refinar ou redesenhar os uniformes dos heróis da DC. Os dois foram a uma palestra no festival Hero Complex, em Los Angeles, sábado à noite, e disseram que a primeira nova série da Liga da Justiça acontecerá no passado.
Previsivelmente, os comentários dos fãs cobriram todo o espectro, alguns expressando sua lealdade cega, outros com algum otimismo, e uns poucos profetizando o apocalipse. No momento, muitos fãs não têm certeza de que a maioria das histórias que conhecem seguirá em frente. Quando a Marvel criou a série "Universo Ultimate", em 2000, foi a partir do zero, dizendo efetivamente aos leitores para que esquecessem tudo o que sabiam sobre os personagens. A DC evitou, cuidadosamente o uso da palavra "reboot" (recomeço, em tradução livre). É triste, mas é verdade que os fãs vão chiar em relação às mudanças, mas, talvez de forma masoquista, eles ainda vão comprar as revistas (eu mesmo já fiz isso).
Então, ao mesmo tempo em que a DC, número 2 em vendas (atrás da Marvel), deve ver um incremento nas vendas em setembro, o desafio será como manter o público interessado nas próximas edições. Como um profissional que cobre essa indústria, penso no tamanho da iniciativa: 52 séries novas parecem ousadas e não oferecem garantias a respeito de alguns personagens. Também me preocupo com a logística: como alguns artistas, como Lee, podem manter uma agenda mensal como essa?
Interesse em 16 novas HQs
No final, entretanto, meu lado fã sai vencedor: atualmente eu compro um título por mês da "Legião de super-heróis" e as coletâneas do Lanterna Verde, quando são publicadas, além de ler ocasionalmente alguns relançamentos. Em setembro, estarei interessado em conhecer 16 das séries, graças à volta de alguns personagens (como a Batgirl, que parece ter superado a paralisia, o que já é controverso), a algumas equipes de criação (Grant Morrison e Rags Morales na "Action Comics", na qual os leitores serão apresentados ao Super-Homem do século XXI) e um apreço pela diversidade (o ainda gay, espero, supercasal Apollo e Midnighter em "Stormwatch", e Batwing, o Batman da África, entre outros). Se a metade de um quarto dessas séries for interessante, a DC terá ganhado um leitor.
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