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A Guerra dos Mundos maranhense


Amigos,

Em 1971 uma das principais rádios de São Luís, capital do Maranhão, divulgou que a 'Atenas Brasileira' estava sendo invadida por marcianos, e um monte de gente acreditou.


O evento, pouco conhecido, está sendo rememorado no livro 'Outubro de 1971: Memórias fantásticas da Guerra dos Mundos', organizado por Francisco Gonçalves da Conceição, professor de jornalismo da UFMA. O material reunido por Francisco é fantástico: entrevistas feitas com os profissionais que colocaram essa grande sacanagem no ar, matérias publicadas nos jornais da época e um CD com o áudio da transmissão.


Como se trata de publicação da fundação de pesquisa do Maranhão, divulgada pela Universidade local, provavelmente nunca mais ouviremos falar, nem tomaremos contato com o livro... Visitei o site da UFMA e não consegui nem a capa para divulgar em nosso Blog. Que bela dissertação de mestrado em História poderia ser escrita!

Não custava nada o Sarney destinar umas estalecas para o bravo pesquisador da 'Ilha do Amor' divulgar seu trabalho. Baratinho, baratinho, tornava conhecido um bom pesquisador e, por tabela, essa brava gente maranhense que em 1971 teve a brilhante ideia de adaptar o programa original de George Orson Welles ao contexto de São Luís.
Afinal, até Capistrano de Abreu já sabia que, para os historiadores, gente desprovida do senso pecuniário, bolsa e incentivo de pesquisa não caem do céu como marciano. Capistrano também tinha um mecenas, o Paulo Prado, que até o chamava de Mestre! Cacete, que inveja! De verdade, me amarro em Capistrano, cabra bom, como se diz aqui em Capim Macio, e sem papas na língua, como se falava na Cidade Maravilhosa.

Só para finalizar, vai abaixo o bom texto de Alec Duarte do G1 sobre o livro e os links para o áudio da transmissão de 1971, bolada, segundo Francisco da Conceição, quando os gajos maranhenses estavam lendo a revista 'Ele&Ela', o altar dos onanistas da época, já que essa revista era mais ousada que a vibrante Playboy. Percebam que foi do banheiro para as ruas que a Revolução tomou conta
da 'Cidade dos Azulejos'!

A Guerra dos Mundos Maranhense - parte 1/2 - Áudio Digitalizado por Manoel Pereira em 2010
A Guerra dos Mundos Maranhense - parte 2/2 - Áudio Digitalizado por Manoel Pereira em 2010


Programa de rádio que causou pânico no Maranhão faz 40 anos

De Alec Duarte publicado no portal G1 em 26/10/2011.


Versão de 'A guerra dos mundos' fechou comércio e levou Exército às ruas.
Livro reconstitui episódio que marcou a história. Confira trechos.

Uma adaptação radiofônica da obra de ficção científica "A guerra dos mundos" (publicada em 1898 por H. G. Wells) pôs o Exército em alerta, fechou boa parte do comércio e provocou pânico generalizado entre a população.

Não se trata da célebre encenação levada ao ar em 1938 por Orson Welles nos EUA, mas de uma versão que, em 1971, comemorou o aniversário da rádio Difusora, de São Luís (Maranhão), transformando a rotina da cidade - como ocorrera 33 anos antes durante a emissão americana.

"O programa foi interpretado pelos ouvintes não como uma invasão alienígena, conforme seu roteiro, mas como se fosse o próprio fim do mundo", explica o professor Francisco Gonçalves da Conceição, organizador do livro "Outubro de 71 - Memórias fantásticas da guerra dos mundos", que reconstitui a histórica transmissão.

Fruto de três anos de trabalho de uma turma de graduação em Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Federal do Maranhão, a obra será lançada hoje à noite, em São Luís, com a presença de alguns dos protagonistas que transformaram o então pacato sábado 30 de outubro de 1971 naquele que, para muitos de seus ouvintes, seria seu último dia sobre a Terra.

Reação nas ruas

Os relatos sobre as consequências da transmissão são conflitantes, mas sabe-se com certeza que o comércio do centro histórico de São Luís fechou as portas - as pessoas queriam ir o quanto antes para suas casas a fim de "morrer" ao lado dos familiares. Naquele dia, os motoristas de táxi tiveram trabalho de sobra.

"Não tínhamos o que fazer, era uma brincadeira. Mas não sabíamos o alcance e o poder do veículo que tínhamos nas mãos", afirma Manoel José Pereira dos Santos, o Pereirinha, 61 anos, responsável pelos efeitos sonoros do programa - fundamentais para ampliar a sensação de pavor dos ouvintes.

Na memória coletiva da cidade há lembranças de pessoas acendendo velas, pregadores reunindo grupos para a leitura do Evangelho, e personagens proeminentes (como políticos) confessando traições amorosas e pedindo perdão de joelhos às mulheres. Enfim, um pandemônio.

Além disso, uma unidade do Corpo de Bombeiros chegou a ser acionada durante o programa, e um oficial do Exército que participava de um churrasco em Pinheiro, a cerca de 190 km de São Luís, fretou um voo (depois pago pela rádio Difusora) para levá-lo à capital, onde constatou que o relato da Difusora não correspondia à realidade.

Por causa disso, e depois de encerrada a transmissão, uma patrulha do Exército invadiu a rádio e exigiu sua lacração - a emissora ficou fechada por três dias.

As consequências para os radialistas (ninguém foi preso ou processado) só não foram maiores porque eles conseguiram enxertar, em dois momentos da gravação que foi analisada à época pela Polícia Federal, o aviso de que o programa era uma obra de ficção, que não foram ao ar na emissão original. Confira ao lado uma versão editada de 25 minutos do programa.

"Quando a ficha caiu, eu acho que as pessoas ficaram com muita vergonha de terem sido enganadas. Isso ajudou também a esfriar o assunto, deixar que ele praticamente ficasse esquecido por quatro décadas", analisa Pereirinha.

Da ideia à realização

Sérgio Britto, pseudônimo de José de Jesus Brito, hoje aos 72 anos, conta que teve a ideia do programa ao ler, numa edição da revista masculina "Ele&Ela" (publicada na década de 70 pela Bloch Editores), a sinopse da radionovela com a qual Orson Welles eletrizou - e apavorou - audiências em 1938 pela rádio CBS.

O primeiro passo foi a adaptação do roteiro para o Maranhão - na versão de Welles, os fatos se passam apenas nos Estados Unidos. "Acrescentei uma série de coisas que não constam nem no livro de Wells nem no programa de Welles", conta Britto.

Como a visita de um cientista ao Maranhão e o pouso de um "estranho objeto" no Campo de Perizes, até hoje a única saída terrestre da ilha de São Luís. "Eu tinha medo de uma fuga em massa acontecer, então coloquei uma nave espacial ali", relembra.

Apesar de o roteiro ter sido aprovado pelo departamento de censura da Polícia Federal, Brito diz que estava debruçado sobre ele horas depois da liberação da PF. "Aprovaram um negócio qualquer lá, sem ter muita noção do que se tratava", conta. Dissociado dos efeitos sonoros, o programa também perdia muito de seu impacto.

Na época, a rádio Difusora já possuía uma emissora de TV, mas nos primórdios ela ficava no ar apenas algumas horas por dia (sempre entre a tarde e à noite, normalmente a partir das 14h). "É por isso que decidimos que a Guerra dos Mundos precisava ir ao ar pela manhã de qualquer jeito", diz Brito.

A Guerra dos Mundos maranhense foi ao ar sem nenhum tipo de ensaio: os participantes (entre eles o locutor Rayol Filho, que comandava o "São Luís Hit Parade", programa musical bastante popular na época) foram recebendo os textos praticamente no momento em que deveriam ser lidos.

Ao mesmo tempo, efeitos sonoros que simulavam interferências e transmissões em ondas curtas - a Difusora chegou a "entrar em cadeia" com a fictícia rádio Repórter, do Rio, que dava informações mais atualizadas dos estranhos fenômenos espaciais que antecederam a invasão marciana relatada na ficção - garantiam o ar dramático à representação.

Diferentemente da versão de Welles, o programa maranhense foi ar transmitido em flashes durante dois programas musicais de bastante sucesso no rádio de São Luís, entre 7h30 e 12h30.

A gravação agora recuperada, porém, começa uma hora e meia depois porque o sonoplasta se atrasou naquele dia (toda a programação das emissoras de rádio e TV do país tinha de ser gravada obrigatoriamente por determinação da Censura Federal - eram os tempos da ditadura militar).

"O que fica desse episódio, antes de mais nada, é a saudade dos meus 21 anos", brinca Pereirinha. Assim como ele, outros personagens da histórica transmissão acham que um novo mal-entendido por causa da obra de H. G. Wells não seria possível na era da internet. "Hoje, daqui da minha casa, aperto uma tecla no meu computador e consigo checar uma informação. Em 1971, isso era praticamente impossível", diz Brito.


Efeitos e jornalismo deram veracidade a 'Guerra dos Mundos' em São Luís
Programa da rádio Difusora usou repórter e vinheta do plantão de notícias. Resgatada em livro acadêmico, emissão completa 40 anos em outubro.


Não é difícil entender por que a versão maranhense da ficção "A Guerra dos Mundos" provocou tanto rebuliço em São Luís no dia 30 de outubro de 1971.

A própria tradição do Estado, dono de uma mitologia própria, ajudou a espalhar o pânico. Numa terra em que histórias de gigantescas serpentes adormecidas ou damas sem cabeça que vagam de carruagem se misturam no imaginário popular, as más notícias que vinham do rádio pareciam apenas confirmar a narrativa pessimista dos bisavós.

Além disso, o programa abusou de efeitos sonoros e ainda se apropriou da linguagem jornalística - isso, aliado ao fato de que a Difusora tinha muita credibilidade, fez com que os ouvintes tivessem certeza de que o Estado estava sendo invadido por naves tripuladas por extraterrestres.

Um repórter "de verdade" da emissora, Jota Alves, participou da encenação com flashes ao vivo. Foi ele quem estava no aeroporto quando aviões comerciais avisaram a torre de comando de que estavam sendo perseguidos por naves voadoras e avistou um "estranho objeto" no Campo de Perizes, na saída da ilha de São Luís.

O momento é o mais dramático da representação, pois ao relatar o incêndio do objeto enquanto entrevistava um suposto cientista, Alves sai do ar e, apesar dos inúmeros apelos do locutor no estúdio, não dá mais sinal de vida - o que foi interpretado como a sua morte.

Tudo isso ao som da vinheta que a Difusora usava normalmente quando interrompia a programação normal. "O fato aconteceu, é notícia na Difusora. A mais poderosa emissora do norte do Brasil" era o prefixo que, naquele sábado, fez São Luís tremer de pavor.

Enquanto a emissão ia se desenrolando, vários ouvintes ligaram para a Difusora com a intenção de checar a veracidade dos fatos. "A telefonista estava instruída a dizer que se tratava de uma ficção, mas as pessoas simplesmente não acreditavam", relata Sérgio Brito, roteirista da adaptação.

Trilha sonora

Com a ajuda do sonoplasta José Ribamar Elvas Ribeiro, o Parafuso (que hoje tem 80 anos), Manoel Pereira dos Santos conseguiu dar ao programa o ritmo dramático que ele requeria. "Eu virava pro Parafuso e pedia 'agora me traz uma música para deixar as pessoas deprimidas' ou 'agora vamos fazer as pessoas chorarem', e funcionava", recorda Pereirinha.

O programa já havia começado com o música-título da novela "O homem que deve morrer", que tinha temática mística (tudo começava com uma estranha luz vinda do céu) e fazia muito sucesso.

Com o passar da encenação, e as notícias cada vez mais graves sobre a situação da Terra diante de uma iminente invasão alienígena, a trilha sonora usada por Pereirinha mudou para música clássica.

"Naquele tempo, o rádio só tocava música clássica em datas como o Dia de Finados ou se algo muito triste tivesse acontecido", relembra o diretor técnico da versão maranhense de "A Guerra dos Mundos".

Organizador do livro "Outubro de 1971", que reconstitui a história do programa com base em entrevistas de seus protagonistas, o professor Francisco Gonçalves da Conceição acredita que o pânico gerado pela emissão tenha relação com a chegada do homem à Lua, dois anos antes.

"A Lua é a morada de São Jorge, e o céu, a casa de Deus. De alguma maneira as pessoas vincularam a invasão de extraterrestres como uma reação ao fato de o homem invadir o espaço divino", afirma.

A interpretação de que se tratava do fim do mundo ajuda explicar também por que não houve fuga em massa de São Luís. Apesar de a única saída terrestre estar "ocupada" por um nave espacial colocada pelo roteirista da adaptação, a cidade é uma ilha - há, portanto, diversos pequenos portos que poderiam propiciar uma fuga pelo mar.

Trancados dentro do estúdio, os protagonistas da histórica narração não tinham noção do que ocorria na cidade. Só mesmo após a chegada de uma patrulha do Exército - e a posterior lacração por três dias da rádio - é que eles tiveram noção do poder que tinham nas mãos. "É, provavelmente, o último indício do rádio como ordenador do tempo numa época em que a TV, cuja transmissão ainda não era em tempo integral, viria a se consolidar como o centro das atenções nos lares", explica Francisco.

Lançamento do livro

Nesta quarta-feira (26), o livro "Outubro de 1971" será lançado a partir das 19h no Palácio Cristo Rei (Largo dos Amores, 351, na Praça Gonçalves Dias). A obra, organizada por Francisco Gonçalves da Conceição, inclui um CD com 120 minutos da versão maranhense de "A Guerra dos Mundos".

O livro foi financiado pela Fapema (Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão), com o apoio do Mavam (Museu da Memória Audiovisual), e contou com o trabalho de pesquisa de Aline Cristina Ribeiro Alves, Andréia de Lima Silva, Elen Barbosa Mateus, Kamila de Mesquita Campos, Karla Maria Silva de Miranda, Mariela Costa Carvalho, Romulo Fernando Lemos Gomes Gomes e Sarita Bastos Costa.

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