A notícia abaixo é interessante para pensarmos a relação da produção com a escrita da história.
O 'Dicionario Biográfico Español' é uma obra gigantesca e importantíssima, mas que reflete os contenciosos recentes ou distantes da política daquele país. Franco e sua memória têm sido disputados pela direita e refletem a imensa fratura que ainda persiste após a Guerra Civil Espanhola.
Na enciclopédia oficial, Franco não será ditador
O Globo 24/05/2012
MADRI — Depois de um ano de polêmica, a Real Academia da História bateu o pé e decidiu nesta quarta-feira, de forma definitiva, que não fará qualquer mudança no chamado Dicionário Biográfico Espanhol. Ou seja: apesar da avalanche de críticas, a obra de 50 volumes — 25 já publicados — financiada com fundos públicos para ser a máxima referência sobre a História de personagens espanhóis continuará a não se referir a Francisco Franco, no poder entre 1936 e 1975, como ditador.
O autor da biografia de Franco é o historiador Luis Suárez Fernández, presidente da irmandade do Vale dos Caídos (monumento construído a mando de Franco por prisioneiros republicanos e onde ele está enterrado), membro da Fundação Francisco Franco e ex-alto integrante do regime franquista. Desde maio de 2011, quando foram publicados os primeiros volumes, Suárez defendeu seu texto como objetivo e baseado em “notícias e documentações”.
Nele, o autor escreve que “uma guerra longa, de três anos, permitiu que Franco derrotasse um inimigo que, a princípio, contava com forças superiores. Para isso, na falta de possíveis mercados e contando com a hostilidade da França e da Rússia, teve que estabelecer estreitos compromissos com a Itália e com a Alemanha”. Suárez prossegue dizendo que Franco “montou um regime autoritário, mas não totalitário”, e sequer cita os julgamentos sumários, com pena de morte, impostos pelo ditador.
Suárez é um dos mais de 5 mil historiadores que participaram da obra, e a biografia de Franco é uma das 43 mil escritas desde que, em 1998, o então presidente do governo, José María Aznar (1996-2004), encomendou o minucioso dicionário à Real Academia da História. A instituição, com dois séculos e meio de existência, considerou, desde o início da polêmica, que as controvérsias tinham como base “detalhes insignificantes”.
As críticas, no entanto, vieram de dentro e de fora da Espanha. Alguns historiadores disseram considerar a biografia do ditador como uma “ofensa à inteligência e à cultura democrática”.
O historiador José Manuel Azcona Pastor, que participa do dicionário com resenhas sobre alguns políticos espanhóis, disse ao GLOBO que respeita o critério de Suárez, mas ressalta que, se fosse ele o responsável pela biografia de Franco, não usaria o tom adotado pelo colega
— É uma decisão (da Real Academia da História) que eu não compartilho nem contradigo. Cada um é responsável pelo que escreve e cada uma das biografias está assinada. Por um escândalo com uma ou duas resenhas não se pode injuriar ou criticar uma obra coletiva deste porte. É um esforço ciclópico, um magnífico dicionário, impressionante e imprescindível e de enorme qualidade, que consegue reunir milhares de personagens históricos desde Felipe II a, por exemplo, um prefeito de uma cidade com certa importância, açambarcando todas as épocas da História espanhola — opina Azcona.
Entre 1998 e 2011, a obra recebeu dos cofres públicos 6,4 milhões, mas a subvenção foi suspensa no ano passado pelo então presidente de Governo, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, pressionado por diferentes grupos parlamentários.
Uma nova injeção de dinheiro ficou condicionada à retificação da biografia de Franco. Mas o aspecto financeiro deixou de ser, poucos meses depois, uma forma de pressão. Com a volta do Partido Popular ao governo, foram destinados 193 mil do Orçamento, aprovado em março, para a conclusão dos livros. Quando a obra for integralmente publicada, data que ainda não foi divulgada, a Real Academia de História se limitará a fazer erratas sobre datas e denominações.
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