03/09/2014 - Escrito a partir da reportagem de Azam Ahmed 'Waging Desperate Campaign, Iraqi Town Held Off Militants', publicada em 02/09/2014 no New York Times.
Um mundo incontrolável. O fim da Guerra Fria tem liberado,
aos poucos, forças que eram julgadas arcaicas e ultrapassadas. Poderíamos dizer
que foi um delírio historicista pensar nestas forças enquanto fardos de uma era superada? Afinal, os Estados Unidos e a União
Soviética não seriam herdeiros da uma
mesma ideia, a da modernidade? A união entre o religioso e o político
obviamente não é nova, mas novos problemas, pouco estudados se colocam,
exatamente porque foram considerados pouco dignos de serem pesquisados. Uma
enorme gama de conteúdos estão sendo reativados e dessedimentados a partir de
processos pouco conhecidos ou mesmo não mapeados.
Aliança improvável. Na batalha por Amerli, pequena cidade postada a frente do avanço do ISIS, o autonomeado Califado Islâmico, fica exposto o drama das transformações.
Impossibilitado de atuar diretamente, seja pelos erros grosseiros de avaliação estratégica cometidos nos últimos vinte anos, seja pela corrente de ferro que liga o fino balanço da opinião interna estadunidense à Israel, uma aliança inacreditável se impôs, talvez pelos custos tremendos em termos de vida e de material que este novo tipo de guerra passará a impor.
A batalha de Amerli foi vencida por uma coalizão que ligou os Estados Unidos, o Irã, o Hezbollah e as forças do estado iraquiano, seja lá o que isto for. E só foi vencida porque o grupo étnico e religioso prevalente na cidade, os xiitas turcomenos, havia se disposto a lutar até o fim, com seus líderes jurando isto sobre o Alcorão, na principal mesquita da cidade. Com luz e suprimentos cortados pelo cerco do ISIS , os habitantes da cidade tiveram que empregar crianças na defesa das trincheiras durante o dia, de modo que os combatentes adultos pudessem descansar. Na resistência final, combatentes do Hezbollah, especialistas em sua maioria, transportados até Amerli por helicópteros, ajudaram a conter a investida dos atacantes, enquanto a força aérea estadunidense os bombardeava e o restante da coalizão atacava por terra.
Em suma, uma guerra sobre a qual ninguém vai saber, onde inimigos jurados se uniram sem esquecer o ódio, para combater o inimigo maior, sobre o qual pouco se sabe.
Delírio moderno. Uma nova realidade que se impõe gradualmente, se tornando visível apenas pelo poder midiático das decapitações televisionadas e onde ainda assumimos o gosto de achar que tudo isto está tão distante. Tecnologia e Geopolítica não são um monopólio. Violência também não, embora não queiramos pensar em seus limites, seja no interior perdido do Iraque, seja numa cidade do nordeste do Brasil, seja no rico interior dos Estados Unidos.
Num dos últimos assaltos do Isis em Amerli, logo depois de retomar uma das áreas da cidade, o líder responsável pela defesa daquele setor, o Xeique Shahab Ahmed Barash examinava os corpos dos combatentes do Isis, quando, do bolso de um dos mortos, tocou um celular. Atendendo ao telefone, Barash disse que podiam vir recuperar o corpo, mas, em vez de escutar a voz dura de um militante do ISIS, ouviu o choro de um pai, que lhe disse que o filho, ainda imberbe, fora exigido em sua aldeia, após esta ter sido invadida. Um filho homem ou uma filha mulher devia ser entregue. A escolha jazia aos pés de Barash.
Renato Amado Peixoto.
Aliança improvável. Na batalha por Amerli, pequena cidade postada a frente do avanço do ISIS, o autonomeado Califado Islâmico, fica exposto o drama das transformações.
Impossibilitado de atuar diretamente, seja pelos erros grosseiros de avaliação estratégica cometidos nos últimos vinte anos, seja pela corrente de ferro que liga o fino balanço da opinião interna estadunidense à Israel, uma aliança inacreditável se impôs, talvez pelos custos tremendos em termos de vida e de material que este novo tipo de guerra passará a impor.
A batalha de Amerli foi vencida por uma coalizão que ligou os Estados Unidos, o Irã, o Hezbollah e as forças do estado iraquiano, seja lá o que isto for. E só foi vencida porque o grupo étnico e religioso prevalente na cidade, os xiitas turcomenos, havia se disposto a lutar até o fim, com seus líderes jurando isto sobre o Alcorão, na principal mesquita da cidade. Com luz e suprimentos cortados pelo cerco do ISIS , os habitantes da cidade tiveram que empregar crianças na defesa das trincheiras durante o dia, de modo que os combatentes adultos pudessem descansar. Na resistência final, combatentes do Hezbollah, especialistas em sua maioria, transportados até Amerli por helicópteros, ajudaram a conter a investida dos atacantes, enquanto a força aérea estadunidense os bombardeava e o restante da coalizão atacava por terra.
Em suma, uma guerra sobre a qual ninguém vai saber, onde inimigos jurados se uniram sem esquecer o ódio, para combater o inimigo maior, sobre o qual pouco se sabe.
Delírio moderno. Uma nova realidade que se impõe gradualmente, se tornando visível apenas pelo poder midiático das decapitações televisionadas e onde ainda assumimos o gosto de achar que tudo isto está tão distante. Tecnologia e Geopolítica não são um monopólio. Violência também não, embora não queiramos pensar em seus limites, seja no interior perdido do Iraque, seja numa cidade do nordeste do Brasil, seja no rico interior dos Estados Unidos.
Num dos últimos assaltos do Isis em Amerli, logo depois de retomar uma das áreas da cidade, o líder responsável pela defesa daquele setor, o Xeique Shahab Ahmed Barash examinava os corpos dos combatentes do Isis, quando, do bolso de um dos mortos, tocou um celular. Atendendo ao telefone, Barash disse que podiam vir recuperar o corpo, mas, em vez de escutar a voz dura de um militante do ISIS, ouviu o choro de um pai, que lhe disse que o filho, ainda imberbe, fora exigido em sua aldeia, após esta ter sido invadida. Um filho homem ou uma filha mulher devia ser entregue. A escolha jazia aos pés de Barash.
Renato Amado Peixoto.
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