Amigos, segue abaixo o artigo de Sérgio Lüdtke, publicado na Revista Época sobre o novo livro de Robert Darnton, diretor da Biblioteca de Harvard e renomado historiador cultural que publicou, dentre outros livros 'O Grande Massacre de Gatos' e o 'O Beijo de Lamourette'.
"A Questão dos livros: passado, presente e futuro", uma coletânea de artigos do diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard chega ao Brasil"
Sérgio Lüdtke
O livro é, de todos os meios de comunicação conhecidos, o mais antigo e também o mais moderno. Muito antes do jornal, do radinho de pilha, do walk-man e do iPod, o livro já havia inventado a mobilidade. Enquanto o mundo se surpreende com a sucessão, em velocidade impressionante, com que surgem novos aparelhos ou novas mídias e plataformas de comunicação, o livro permanece. Somente agora, passados quase seis séculos desde o uso por Gutenberg dos tipos móveis, o livro começa a enfrentar o desafio da mudança com a digitalização. Vários são os motivos que fazem com que o livro alcance essa perenidade, mas talvez o que melhor explique seja a autonomia: o livro é um ser único, uma célula.
Robert Darnton é um dos guardiões do imenso tecido formado por essas células. Diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard e um dos principais responsáveis pelo projeto Gutenberg-e, que promove a digitalização de obras literárias para preservação e maior facilidade de acesso aos livros, ele zela por eles como uma mãe cuida dos filhos. Um amor maternal que ele dedica a todos, não somente àqueles muitos que pariu. As angústias, medos e até esperanças sobre o futuro dos livros estão expressas - e impressas - em "A Questão dos livros: passado, presente e futuro", uma coletânea de artigos que Darnton está lançando no Brasil, em edição da Companhia das Letras.
O livro de Darnton é uma declaração de amor à palavra impressa, mesmo àquela impressa numa tela. Nesse conjunto de artigos - que, embora se divida em passado, presente e futuro -, Darnton não se prende a uma cronologia, a uma linearidade. Ele navega do iluminismo ao Google e deste a Gutenberg com facilidade e controle do timão, enfrentando a calmaria e a tempestade, a vida na biblioteca e a internet, sem nunca abandonar o cuidado com o interesse pela leitura. Como poucos, ele sabe que um livro só é o livro quando lido. (A editora, no entanto, poderia ter preservado, para melhor referência, as datas de publicação dos artigos. Google tem 12 anos, o Twitter somente quatro. Há seis meses poucos sabiam do iPad e ninguém conhecia seu nome).
Como boa mãe, Darnton é cheio de medos e receios. O livro está repleto desses temores e a maior parte deles tem um endereço sabido: www.google.com. Esse bicho-papão tem como lema "não faça o mal", mas poderia ser um lobo em pele de cordeiro e engolir a prole tão bem cuidada. Darnton conhece bem os processos de digitalização dos livros, é um entusiasta da disseminação do conhecimento, sonha o sonho dos iluministas e acompanhou de perto a gênese do acordo que viabilizou o Google Book Search. E foi então que ele percebeu a preocupação única da empresa com o negócio e não com a preservação de um bem fundamental para a humanidade. E é aí que mora o perigo. O Google Books digitalizou até o ano passado mais de 10 milhões de livros, dez vezes mais do que a produção anual de títulos em todo o mundo. Para Darnton, nenhuma outra empresa ou instituição, nem mesmo a Biblioteca do Congresso americano (que acaba de comprar os arquivos do Twitter) teria uma capacidade de produção comparável à do gigante da internet. E o gigantismo poderia levar ao monopólio, uma volta aos tempos pré-Gutenberg.
As preocupações de Danrton fazem sentido, porém a internet já é também a biblioteca do nosso tempo. E ele sabe que nesta não se pode passar a chave no fim do expediente. O controle é difícil, quando não impossível. Mas o mal vem do homem e as próprias bibliotecas se desfazem de arquivos físicos de jornais depois da digitalização dos acervos.
A essência humana está tão presente no livro de Darnton quanto a paixão e a devoção maternal pelos livros. As histórias que compila são um mergulho na forma como a humanidade se comunica há muito tempo. E esse olhar é imprescindível para entender as razões pelas quais a internet consegue ser o que é, em tão pouco tempo. A tecnologia não esconde a humanidade que há por trás de tudo. A leitura de um artigo como Blogging, Now and Then, que Darnton publicou na The New York Review of Books (que não está no livro, mas acessível pela web), exemplifica tudo isso e serve como uma degustação. O texto mostra como a essência dos blogs já estava presente em publicações do século 18. A internet já estava lá, só não havia a tecnologia. O livro estará no futuro, não importa a tecnologia.
3 comentários:
Professor, isso me lembrou uma entrevista de Umberto Eco reproduzida em parte no Estadão em março desse ano:
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,eletronicos-duram-10-anos-livros-5-seculos-diz-umberto-eco,523700,0.htm
A entrevista é muito interessante João. Obrigado pelo link! Fica a sugestão para todos.
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,eletronicos-duram-10-anos-livros-5-seculos-diz-umberto-eco,523700,0.htm
Opa. Esqueci de comentar: Umberto Eco é danado mesmo, afinal, não é qualquer um que pode apalpar a bunda da Vênus de Milo!
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