É interessante observar
como a recepção dos escritos difere de nossas expectativas: algo em que acreditamos
muito, simplesmente pode não despertar interesse algum nos leitores e, outras vezes, coisas
que publicamos despretensiosamente, seja por simples dever ou por puro deleite,
ganham uma dimensão inexplicável.
No primeiro caso, nunca esperei que 'Adam Smith Reloaded', minha resenha para o texto de Giovanni Arrighi, tivesse
tantos leitores e, no segundo caso, minha tradução para 'DULCE ET DECURUM EST', um poema de Wilfred Owen,
ganhasse tantos acessos e despertasse tão sincero interesse por parte de uma
audiência que eu não visei: os ex-combatentes.
Por conta dessa
recepção inaudita e de meu interesse pela obra de Owen sempre pensei em revisitar sua poesia, mas acabava postergando isto, por uma ou outra tarefa que
demandava minha atenção.
Contudo, afortunadamente, os caminhos do deleite, às
vezes, também se entrecruzam com os do trabalho: procurando dar conta da
leitura bibliográfica para minha tarefa de pesquisa acadêmica, a relação entre
o Fascismo e o Catolicismo, estava acabando de ler o fantástico texto ‘An Unholy
Alliance’ de Roger Griffin (1), quando me deparei, em sua última página, com outro
poema de Owen, ‘The Parable of the Old Man and the Young’, no qual Griffin acredita
ver, conforme suas palavras, "em termos teológicos lúcidos", como foi possível que no contexto do Entre-Guerras
pudesse ter acontecido o encontro entre a fé cristã e algo completamente incompatível com
ela.
Segue a minha tradução para o poema de Owen, feita a partir do manuscrito do autor (2):
A PARÁBOLA DO VELHO HOMEM E DO JOVEM [The Parable of the Old
MAn and the Young] (3)
Wilfred Owen (tradução de
Renato Amado Peixoto)
Então
Abraão levantou-se, e rachou a lenha, e foi,
E
levou a pedra-de-fogo com ele, e a faca.
E
como os dois se foram juntos,
Isaac
o primogênito falou, Meu Pai, e disse ele,
Eis
aqui os preparativos, fogo e ferro, (4)
Mas onde
está o cordeiro para este holocausto?
Em
seguida Abraão amarrou o jovem com cintos e correias,
E construiu
ali parapeitos e trincheiras, (5)
E
estendeu a faca pra imolar seu filho.
Ah, então!
do céu um anjo chamou-o,
Dizendo, Não
coloque tua mão sobre o moço,
Nem faça
nada a ele. Eis ali,
Um
carneiro, preso pelos chifres no espinheiro;
Ofereça o
Carneiro do Orgulho em vez dele.
Mas o
velho homem não o fez, mas sacrificou seu filho, (6)
E metade das
sementes da Europa, uma a uma.
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NOTAS:
(1) GRIFFIN, R. An Unholy Alliance? The convergence between Revealed Religion and Sacralized Politics in Inter-war Europe. In: Catholicism and Fascism in Europe 1918 - 1945. NELIS, J. at all. (Orgs.). Hildesheim: Georg Olms Verlag, 2015, p. 49-66.
(2) 'The First World War Poetry Digital Archive' http://www.oucs.ox.ac.uk/ww1lit/
(3) No texto de GRIFFIN o título é 'The Old Man and the Young', mas 'The parable of the Old Man and the Young' é o título do manuscrito original de Wilfred Owen, de onde fiz a tradução, cuidado que resolvi tomar após verificar que tanto a edição original, publicada em 1921 por Siegfried Sassoon, quanto a versão de Griffin, divergiam.
(4) Até este ponto Owen escreve muito próximo ao texto do Gênesis 22, mas risca de seu manuscrito a palavra 'wood' para substituí-la por 'iron', criando a semelhança com o ambiente da Guerra.
(5) Owen proceda da mesma maneira que no exemplo anterior, riscando 'cart and wood' para substituí-las por 'trenches'.
(6) A ênfase de Owen é posterior a feitura do poema, pois o primeiro 'mas' está desalinhado em relação ao restante das linhas.
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